Muitos se lembram desse desastre aéreo que por suas conseqüências chocou o mundo inteiro.
Vamos conhecer mais detalhes dessa tragédia bizarra!
Confira o relato de dois sobreviventes que foram resgatados pelo Exército Chileno em 23/12/1972, chegaram de volta a Montevideo em 28/12/1972, como heróis nacionais.
Mas depois que confessaram ter comido carne humana dos colegas mortos, muita gente se escandalizou e passou a vê-los como vilões.
Alvaro e José estiveram num congresso em Bento Gonçalves há alguns anos e fizeram uma palestra contando como foram aqueles dias que passaram entre a vida e a morte no meio de cadáveres congelados e da neve na Cordilheira dos Andes.
Acompanhem:
O avião saiu de Montevideu e fez escala em Mendoza porque o tempo estava ruim pra atravessar a Cordilheira dos Andes. Era o dia 12/10/1972.
Nosso resgate e a nossa sobrevivência foi um trabalho de equipe. Tivemos atitude. Saímos vivos depois que concluimos que a coisa dependia de nós".
No avião iam 45 pessoas . " Iamos a Santiago jogar uma partida de rugby (futebol norte-americano), diz José que tinha 24 anos em 1972 . Na época desta palestra, estava com 58 anos.
Ao meio-dia do dia 13/10/1972 eles foram levados ao aeroporto de Mendoza e a tripulação do avião não queria partir, conta José. A pressão dos jovens sobre a tripulação (todos militares dos quais não houve nenhum sobrevivente) foi muito grande. " Ustedes são unos maricones" ( vocês são uns bichas) diziam os jovens aos pilotos que estavam com medo de atravessar a Cordilheira dos Andes por causa do mau tempo.
Como naqueles tempos o Chile vivia uma crise sem tamanho no governo socialista de Salvador Allende, o avião dos uruguaios levava muito mantimento (o que foi uma grande sorte para sobreviver aos dias seguintes ).
José relata que dentro do avião depois que ele decolou estava tudo tranquilo e os alunos do time de rugby iam se divertindo, jogando " la pelota", prá cá e prá lá dentro da aeronave." Nem dávamos bola pra o que acontecia do lado de fora..."...
Os passageiros receberam o aviso dentro da aeronave de "apertar cintos" mas segundo José Inciarte, um dos sobreviventes, "ninguém fez caso". Quando o avião - um bimotor Focker-27 - entrou nas nuvens os pilotos (militares) insistiram com os passageiros " sentem-se".
- O avião caiu num primeiro 'buraco' . Foi uma queda braba, brusca, conta José Inciarte. ( Ele teria entrado num 'buraco' de ar quente).
Os jovens puderam ouvir gritos na cabine do avião:
- Dá-lhe potência! dá-lhe potência!!! Eram, segundo José, gritos quase que de desespero.
Houve então, conforme José Inciarte, uma 'segunda' queda mas esta bem mais forte . muito maior.
Ele relata:
- Das janelas não se via mais nada do lado de fora, uma escuridão total.
Um olha pro outro como que perguntando o que estava acontecendo naqueles instantes decisivos de suas vidas.
O próprio José lembra passados 34 anos:
- Eu olhei pros meus colegas. Estavam todos apavorados, ninguém sabia o que estava acontecendo.
Ele foi descrevendo para o auditório que o ouvia naquele sábado (08/7/2006) o que foram os segundos seguintes que se transformaram num inferno.
- Houve uma explosão!
O avião chocou-se contra a montanha.
E segundos depois fez-se um silêncio sepulcral.
Entra ar no avião. E a neve também vai entrando pelo avião junto com o ar.
Depois fica tudo azul, o céu está completamente azul. Segundos depois o avião pára de rolar. Poltronas se desprendem da aeronave e " voam" em direção à cabine.
Faz-se segundo relata José um silêncio sepulcral.
Depois os que não morreram na queda , começam a ver cenas "dantescas":
Ferros retorcidos, gritos, choro, gritos de dor, pedaços de corpos, e cor de sangue por todo lado. A mente dos sobreviventes tem poucos segundos pra se adaptar à nova realidade.
Primeiro não quer crer!
- Caí aqui? Por que aqui?
As primeiras reações são de querer desaparecer, ou querer ajudar os feridos.
José tinha então 24 anos. Álvaro, seu colega que está aqui agora neste auditório, quebrou a perna na queda.
Pelos cálculos deles a queda ocorreu em torno de 15h30min. Em outubro, naquele dia 13 (por azar uma sexta-feira) na Cordilheira dos Andes a noite caiu por volta de 16h30min.
" A noite caiu de golpe. Fica noite rápido" lembra José.
- Foi a noite mais " eterna" da minha vida. Ela não passava nunca. Uma sensação de frio que dó, vou morrer de frio, pensava José.
Os sobreviventes se abraçam pra não morrer de frio. Não podiam parar cinco minutos senão congelavam.
A sensação era que não iria nunca mais amanhecer. Álvaro Mangino, um dos 16 sobreviventes dos Andes, tinha apenas 19 anos quando a tragédia se abateu sobre aquele avião militar, da Força Aérea Uruguaia, um bimotor " Focker 12".
Ele descreve a tragédia:
"Estava sentado na altura da asa do avião". Não recorda do choque do aparelho com a montanha:" percebi que os bancos (do avião) escorreram pra frente", diz.
Álvaro declara que com a queda ficou embaixo de um dos bancos. E relembra em que situação se viram aqueles jovens:
- Estávamos a 4 mil metros de altura, a menos de 15 graus de temperatura, num local agressivo, numa situação difícl, com colegas mortos e outros feridos.
Suas lembranças - narradas junto com José Inciarte, outro sobrevivente em 08/07/2006 num congresso em Bento Gonçalves - dão conta das conseqüências da queda:
" Quebrei uma perna. Um estudante de Medicina me arrumou a perna. Os ossos se juntaram". O estudante de Medicina hoje é um cardiologista.
"Foi um horror. Havia muito medo. Foi a pior noite de minha vida,disse ele. Não passava nunca!"
Segundo ele, dos 45 passageiros, com a queda restaram 29 sobreviventes. " Vinte e quatro deles estavam saudáveis, apenas com escoriações ou ferimentos leves, coisas pequenas como pernas quebradas". Álvaro relata que os sobreviventes menos feridos pensaram logo em organizar-se, mas que havia a idéia de que seriam localizados logo pelos helicópteros que seguramente iriam procurá-los.
Alvaro Mangino diz que na situação começaram a surgir lideranças entre eles.
Durante 72 dias que permaneceram ali perdidos nas geleiras dos Andes iriam sentir frio, sede e suportar temperaturas negativas de até 30 graus.
"A capacidade das pessoas é inacreditável. Sempre se pode mais" conclui ele.
Álvaro relata que os primeiros dias foram dedicados a resolver problemas como o da sede que segundo ele dói mais do que a fome.
Foram descobrir que a neve não servia pra matar a sede porque ela machuca a boca.
Depois de comer neve não se pode engolir mais nada. Diante desta realidade eles concluíram que tinham que "fazer" água de alguma maneira.
Tiveram então que aplicar a criatividade diante da situação. E como um deles tinha um isqueiro derreteram neve e fizeram um litro de água.
O engraçado, lembrou Álvaro, é que nenhum dos sobreviventes queria queimar a nota de dólar que guardava pra fazer fogo e derreter a neve. Mesmo naquela situação todo mundo queria economizar as notas de dólar.
Foi o sobrevivente de nome Adolfo que achou a solução pra fazer água. Botavam neve numa chapa de alumínio e derretia com o sol. Formou-se uma pequena equipe em torno deste objetivo- fazer da neve água - e o lema criou-se na hora" um por todos, todos por um", todos trabalhavam pra todos...
O drama dos Sobreviventes dos Andes prossegue e eles viram que começar era fundamental. Nos destroços do avião acharam um "fiozinho"e através dele puderam sintonizar uma rádio de Montevideo, de onde tinham vindo.
Ao conseguirem sintonizar as rádios de sua capital, se inteiraram de que as buscas deles haviam sido canceladas.
A sua situação era esta: estavam a dois mil quilômetros de casa, no meio dos destroços do avião, na neve, sem comida e seguramente alguns já estavam pensando que fatalmente iriam fazer aquilo que depois escandalizou o mundo, comer a carne dos colegas que haviam morrido na tragédia.
Os sobreviventes não tinham consciência de onde estavam.
Pensaram até o fim que tivessem caído do lado chileno da Cordilheira quando na verdade estavam em território argentino.
Após dez dias da tragédia haver ocorrido, eles não mais observaram helicópteros a sua procura como ocorrera nas primeiras 72 horas. E alguns deles começaram a raciocinar:" ou nós vamos partir em busca de socorro ou vamos morrer fatalmente todos".
Nos primeiros 5, ou 6 dias, comeram chocolates - que levaram porque no Chile havia poucos provimentos - mas depois a comida começou a escassear e finalmente terminou.
José Inciarte, o mais velho dos dois sobreviventes lembra que o choque do avião com a montanha deve ter se dado quando a velocidade estava a cerca de 400 km/hora. Mesmo assim, dos 45 passageiros, 29 ficaram vivos. Destes 24 totalmente inteiros e cinco com pequenas lesões.
No começo da primavera na Cordilheira dos Andes - outubro - o sol,ainda tímido, conseguiu produzir um litro de água que eles tiraram da neve. José Inciarte vai relatou que não havia a quem recorrer.
Durante o dia , conta ele, só se avistava um condor que voava alto.
E José vai preparando a atenta platéia que o escuta segurando a respiração para a descrição - que ele faz quase de forma religiosa - de como chegaram a conclusão de que fatalmente comeriam os colegas mortos.
Não se viam mais helicópteros a sua procura , apenas condores que passavam sobre suas cabeças.
À noite para fugir do frio sempre negativo, se escondiam dentro da fuselagem do avião. Começaram então a ficar sem alimentos, sem os chocolates, sem os licores. Começaram a olhar para os corpos dos mortos, conta José...
Faz-se um silêncio sepulcral enquanto José Inciarte começa a descrever para a platéia a decisão de comer os colegas mortos.
"Se não comer meus colegas, eu morro dentro do avião" raciocinavam os sobreviventes. Contra ou a favor?
Tem que tomar uma decisão mas a mão não obedece, relata José.
Quando a mão começa a obedecer, é a boca que não se abre...
É a força do preconceito, do tabu... diz ele.
Depois de ter comido carne humana, José diz que virou uma pessoa religiosa.
" Hoje eu vivo em você" raciocina ele, a respeito da carne do colega que foi comida pelos sobreviventes para poderem se manter vivos...É o amor maior que pode existir. Não existe maior ato de grandeza, de comunhão, diz José Inciarte.
No local a temperatura alcançava os 30 graus negativos. Entre eles o assunto comer carne humana seria um assunto do qual não se falaria mais.
A situação era esta: dados por mortos, no meio das montanhas ninguém mais iria procurá-los.
O outro colega que falou no evento - Álvaro Mangino - disse que ter comido carne humana foi uma " grande humilhação", mas justificou dizendo que sentiam " grande vontade de viver".
Eles saíam assustados do avião que lhe servia de abrigo. Cada dia era uma luta. Todos rezavam no avião. Havia riso,alegria,contavam piadas, dormiam durante 10 minutos pra não congelar devido ao frio muito intenso. Só havia uma mulher entre os sobreviventes. Ela tinha 35 anos e quatro filhos.
" Ela foi uma mãe para nós" diz Álvaro Mangino,agradecido.
A Avalanche
Uma das piores coisas que aconteceu aos sobreviventes dos Andes foi uma avalanche(de neve) ocorrida,segundo José Inciarte, no dia 29 de outubro de 1972, 13 dias depois que eles estavam perdidos nas neves dos Andes.
Deixemos que Álvaro Mangino conte:
" O pessoal delirava. Falava em comida. Ficavam todos babando...uns diziam que queriam voltar ao Uruguai. O que cada um fazia era pensando na família..."
O dia da avalanche era um dia encoberto e havia muita depressão dentro do avião. Os feridos estavam em macas penduradas. " Senti tudo tremer. Entrou uma avalanche de neve. Os amigos estavam soterrados."
José Inciarte acha que neste dia " viu a morte". Desejou que ela o tirasse daquele sofrimento. " Tínhamos que buscar um sentido pra aquilo tudo. Seria um tremor de terra? Entraram toneladas de neve no avião. Ele sentiu uma grande angústia e depois diz que entrou num estado que classifica como de "paz". Me senti feliz, achei que ia encontrar com meu pai que é falecido". Ele acha que neste momento " quase se entregou e que viu a cara da morte", mas reagiu pensando que se existe vida tem que lutar por ela, tem que dar-lhe um sentido. A conseqüência da avalanche de neve sobre o ânimo dos sobreviventes foi aterradora." Os dedos sangravam" conta José Inciarte, alguns morreram de gangrena.
- Nesta situação a morte não é castigo,diz ele.
Os sobreviventes ficaram deprimidos e a depressão é contagiosa, relata ele. Eles ficaram 3 dias e 3 noites nesta situação.Como decorrência da avalanche morreram sete homens e uma mulher.
No terceiro dia depois da catástrofe, não fazia muito frio e eles saíram do avião por um buraco. Encontraram a paisagem toda branca.
" Nós parecíamos uns animais" relata José Inciarte. Neste exato momento, os sobreviventes dão-se conta que precisavam buscar socorro.
O Resgate
O resgate dos Sobreviventes dos Andes foi possível graças ao " arrieiro" (condutor de mulas) Sérgio Catalan Martinez. ( Depois ele viajou junto com os 16 sobreviventes até Montevideu). Álvaro Mangino conta que a decisão de sair à procura de socorro levou 3 dias pra ser tomada.Ela envolveu a organização, a determinação, a base, e ainda se sairia para Oeste(direção chilena) ou Este.
No dia 11 de dezembro morreu o último sobrevivente (antes do resgate). O mecânico do avião estava vivo, os pilotos mortos e muitos estavam com gangrena. Na cauda do avião descobriram uma mala cheia de cigarros que estavam sendo levados pro Chile porque lá havia escassez de tudo.
José Inciarte também pegou gangrena depois de ficar 3 dias e 3 noite na neve. Finalmente, no dia 11 de dezembro de 1972 partiram alguns sosbreviventes(dois) em busca de socorro. Sabiam depois de vários dias que os dois que partiram em busca de socorro - Roberto Unta e Fernando Dogay - encontraram o arrieiro. Do outro lado de um rio ele recebeu um papel com a seguinte mensagem:
- Venho de um avião que caiu na montanha. Somos uruguaios. Há dias que caminhamos.
No avião ficaram 14 pessoas feridas. Temos que sair rapidamente porque não temos o que comer e não podemos caminhar.
Depois de alguns dias de caminhada um dos sobreviventes retorna. José conta que estes dias que os colegas estiveram fora foram os mais angustiantes.
Muitos dos sobreviventes já não queriam viver.
Pelo rádio escutavam Montevideu e ouviam os jingles comemorando a chegada do Natal.
E eles ali perdidos.
Quando ficaram sabendo que haviam sido localizados começaram a se arrumar para serem resgatados.
As 12h45min ouviram pela primeira vez os roncos dos helicópteros que eles esperavam desde as 7 horas da manhã.
"Havíamos conhecido Deus nos homens" diz José. O som dos helicópteros lhes parecia um som terrível e muitos estavam traumatizados de que estes mesmos helicópteros passassem ali e não os visse.
Mas quando viram as jaquetas vermelhas dos soldados entenderam que estavam sendo salvos. A conclusão de José é que o ser humano "sempre pode mais". Eles foram resgatados na manhã do dia 22 de dezembro de 1972, uma sexta.No final deste relato feito em 08/07/2006, em Bento Gonçalves, lhes perguntaram duas coisas:
Primeiro se andam de avião. Disseram que sim e até riram da pergunta.
Outra pergunta foi se a tragédia lhes havia mandado algum aviso antes. Aí ficaram mais sérios.
Álvaro Mangino, um dos dois, apenas contou esta historinha:" quando haviam descido em Mendoza, na Argentina, por causa do mau tempo,no dia seguinte foram ao aeroporto e José Inciarte levou junto uma namoradinha que havia arrumado ali. Ela foi até o local do embarque. A namoradinha argentina ficou séria na hora da despedida e profetizou:
" Este avion se vá a caer..."
Da tragédia cabe lembrar:
1) Na queda morreram 8 pessoas;
2) 21 pessoas morreram durante o período que ficaram perdidos
3) 16 sobreviveram.
Os sobreviventes tiveram que explicar muito em Montevideu porque comeram carne humana dos colegas, e por isto muita gente os via como bandidos.
Há um filme sobre este assunto e vários livros relatam o caso.
Veja algumas fotos da época:
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